quinta-feira, 29 de abril de 2010

Retrato

O amor amadureceu. O amor já não passa as tardes de frente pra TV, comendo bolacha recheada. O amor trabalha vinte horas por semana, cerzindo corações vermelhinhos e perfeitos, feitos de ternuras e outros doces sentimentos. O amor não vai de táxi, espera pacientemente a condução coletiva. O amor anda preocupado com a saúde, por isso agora só come light: no pão margarina com ranço de coisa nenhuma, na xícara adoçante que amarga o café pretinho e para o almoço arroz integralzinho e salada à vontade pra ajudar o intestino sempre tão preguiçoso. O amor não assiste novela: diz que não quer perder tempo com o drama previsível da gente comum que vai buscar o resumo do folhetim nas revistas de salão de manicure. O amor não crê no horóscopo, dispensa futurologia. O amor não faz assinatura de revista que nem vai ler. O amor não pula carnaval. O amor ganha tempo o tempo todo. O amor é tão grande que na sua casa a mágoa não pode entrar, por falta de espaço. O amor, dizem, entra sem pedir licença. Mas é mentira, o amor é tão educado que pede perdão quando faz doer. E vai saindo de fininho no meio do burburinho das festas, vai sem fazer alarde. O amor pisa devagar e fala mansamente, pra não acordar o bebê. O amor não entende de casamento, nem promete felicidade diuturna. O amor só quer estar onde a beleza estiver.