quarta-feira, 22 de setembro de 2010

mas deixa eu ser o teu neném
por uns momentos deita minha cabeça no teu colo
me afaga os cabelos
e nunca mais me diz
"i have to go...
i'm very busy, babe..."
e nunca mais me diz
meia verdade branca
e nunca mais deixa nascer em mim
essa dor
que a tua falta me traz
apenas me bote no colo
afague meus cabelos
até eu pegar no sono
até eu adormecer
feito um neném
despreocupa meu pensamento
e me faz dormir ao teu lado
um sono inocentinho
de criança.

Um beijo em seu retrato

daqui de onde estou
resta a saudade
resta a recordação dos seus lábios macios
do seu abraço morno
da minha febre
que você mantém acesa, meu bem...
mas um adeus
(fatal adeus)
você me deu pelo telefone
um adeus naquela sua voz mansa
e ao mesmo tempo agitada
e esses versos desencontrados
sem rima, sem ritmo
vem chorar por mim
lágrimas de tinta-sangue
e não se pode dizer mais nada
e guardo seu retrato
pra uma outra ocasião.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Da tecitura do azul e outras verdades caladas

Toda manhã acorda do azul
que a Terra vai parindo
que a Mãe Terra
docemente
vai parindo
e que você nem nota, babe...

Aquela estrela que brilhava
tão intensa
você não levantou a cabeça
pra mirar
você, na sua ingratidão matemática
nem parou
pra apreciar
os pequenos mimos
que a vida dá

pelas mãos de Deus
todos os dias e todas as noites
são tecidas
em silêncio
em resignado silêncio
de amor.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

agosto

desgosto
n'alma um gosto
de sangue e sal.

Sonhando à beira mar

pensando em catar nas areias da praia
entre tampas de garrafa
entre canudos e camisinhas usadas
as pernas entre algas e algo mais
(que parecia saco plástico)
catar estrelas do mar
e conchas
pra fazer um agrado
pro meu bem.

amor à primeira mordida

o amor como fruta bichada
fruta desprezada
esquecida sobre a mesa
logo após a primeira mordida
o amor era assim:
dava em qualquer quintal
toda estação
o amor nem rendia dinheiro
e os meninos subiam nas árvores
dos quintais vizinhos
pra roubar aquele fruto
que comiam com mais gosto
justamente por ser roubado
e mesmo bichado
mesmo esquecido
era assim tão saboroso
porque os meninos eram inocentes.

domingo, 13 de junho de 2010

Será que o amor era colocar aquela cartinha por baixo da sua porta, com medo de ser descoberta?
Ou será que era amor pegar tanta chuva naquela tarde, só pra te mostrar umas fotos? - pretexto pra te olhar...
Será que era amor ir pra fila às cinco da manhã só pra buscar um par de ingressos praquele show do Caetano e depois descobrir, entre atônita e embriagada, que oito míseros reais me foram secretamente subtraídos?
Teria sido amor te encontrar sempre naquele espaço aberto da biblioteca, trocar uns olhares e depois me esconder com você naquela salinha de vídeo pra trocar beijos quase criminosos e não prestar quase nenhuma atenção na película?
Será que o amor estava em te esperar chegar com tanta bagagem pra 4 dias, só pra entre 4 paredes ter seu calor de encontro ao meu?
E se depois disso tudo eu desvendar que era tudo amor e tudo não tinha que ser levado tão a sério porque era parte de um ensaio geral?
O amor estará sempre na estreia...

quinta-feira, 3 de junho de 2010

o bêbado fala feito um disco riscado
repetindo tan tan tan tantas vezes
a mesma boba história
da moça donzela
de lábios rachados
de esperar pelo primeiro beijo
ainda é tempo
a moça em tempo de arrumar
barriga-marido
em tempo de pendurar
cueca furada no varal
o bêbado contando sempre a mesma
triste história
da moça donzela sonhadora
tan tan tan tantas vezes repetida
que ninguém aguenta mais.

da carpideira

calcificada lágrima
lágrima pedra de sal
teste do choro
pra ver se a dor
vale a pena ser chorada
ou se não é só
jogo de cena
teatro de tantos velórios.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Preparei um chá de hortelã faltando 30minutos pra hora do almoço. Comi com bolacha. Comi porque a fome pediu gosto de alguma coisa e ainda era dia. Não levanto cedo por coisa de menos importância. Se tiver compromisso, passo a noite em claro de uma vez. É desperdício interromper o sono. [...] Persigo o sonho de ter meu canto nalgum canto desse mundo cão. Daí vem o Mestre Jesus: "-Meu reino não é deste mundo". E o poeta responde em deboche: "-Fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho...".

de como nasce o fogo

mãos nas mãos
pelos arrepiando pelos
nas primeiras horas
tínhamos apenas o tédio
de não nos conhecermos
e o começo foi se fazendo
de olhares e descobertas
teu gosto
teu toque
teu cheiro
tudo era um sonho macio
cor de rosa
caramelo
desmanchando na língua
e do intervalo entre um e outro beijo
a comunhão sagrada do sexo
pele roçando pele
gemidos de transe
escapando pelas frestas
invadindo a noite
da solitária vizinhança.

sábado, 8 de maio de 2010

1 blues para o tédio

estou deitada
com aquela mesma
calcinha velha
furada

estou pensando em porra nenhuma
nessa noite eterna
do mês de maio

é véspera de sábado, babe
e o que fazer
por essas bandas?

estou só
sem seu corpo ao meu lado
sem um motel decente por perto...

eu só queria hoje
cantar um blues para o meu tédio

estou deitada
com aquela mesma
calcinha velha
furada.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Retrato

O amor amadureceu. O amor já não passa as tardes de frente pra TV, comendo bolacha recheada. O amor trabalha vinte horas por semana, cerzindo corações vermelhinhos e perfeitos, feitos de ternuras e outros doces sentimentos. O amor não vai de táxi, espera pacientemente a condução coletiva. O amor anda preocupado com a saúde, por isso agora só come light: no pão margarina com ranço de coisa nenhuma, na xícara adoçante que amarga o café pretinho e para o almoço arroz integralzinho e salada à vontade pra ajudar o intestino sempre tão preguiçoso. O amor não assiste novela: diz que não quer perder tempo com o drama previsível da gente comum que vai buscar o resumo do folhetim nas revistas de salão de manicure. O amor não crê no horóscopo, dispensa futurologia. O amor não faz assinatura de revista que nem vai ler. O amor não pula carnaval. O amor ganha tempo o tempo todo. O amor é tão grande que na sua casa a mágoa não pode entrar, por falta de espaço. O amor, dizem, entra sem pedir licença. Mas é mentira, o amor é tão educado que pede perdão quando faz doer. E vai saindo de fininho no meio do burburinho das festas, vai sem fazer alarde. O amor pisa devagar e fala mansamente, pra não acordar o bebê. O amor não entende de casamento, nem promete felicidade diuturna. O amor só quer estar onde a beleza estiver.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

das estrelas e da lua e da noite toda

as estrelas são atrizes do céu
as estrelas disputam pra ver qual delas brilha mais que a cor do sol refletida na lua
as estrelas não tem escrúpulos
três marias penduradas no varal do céu em noite de são joão - bandeirolas de glitter
concorrem a uma vaga na novela da noite sem som
sua trilha quem canta são as cigarras e os sapos
na novela da noite sem audiência
porque ninguém mais para pra assistir certos espetáculos naturais
dizem que é porque não cobram ingresso
então vamos pagar um dia
pra ver a lua cheia rodeada de constelações
os sapos e pererecas celebrando acasalamentos sucessivos
as cigarras vivendo de cantar
vaga-lumes tentando sustentar o brilho de suas bundas iluminadas
a noite inteira
vamos pagar pra ver.