segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

À moda antiga

Como confessar que me encantei por sua alma e corpo numa realidade virtual? Dirão que perdi a lucidez! Dirão tudo e um pouco mais, menos a verdade: que foi amor virtual à primeira vista...Vou te abrir meu coração, vou dizer que imaginei nós de mãos dadas às quatro da tarde, à beira do mar, sonhando um futuro em comum. Pensei em tantas horinhas felizes que poderia passar com você ao meu lado. Parque de diversões, zoológico, motel barato do centro da cidade. Loucas horas de amor. Do nosso amor, correndo contra o tempo. Nosso mágico atrito, a luz fraca, o box estreito para o nosso banho. Tudo tão cor de rosa...Todo um mundo baby para desvendar. Na manhãzinha seguinte nosso olhar cúmplice e abobalhado.
Mas vou parar de sonhar com coisas que só vejo em filmes. E vou parar de ler romances.
Lá fora faz um calor hostil. Lá fora o mundo todo é hostil e ninguém me compreende.
Sou tão romantiquinha e isso é antiquado. Amar é antiquado como anáguas e espartilho.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Um dia desses

Ela andava olhando pra baixo, a todo vapor, pelas ruas estreitas do centro da cidade. Do centro imundo da cidade barroca. Eu segui aquele vulto, até onde a vista alcança. Tropeçando nos sacos azuis e negros, repletos de sobras de alimento, absorventes encharcados de regras anônimas, papeis higiênicos e suas denúncias. Andei pelo centrão da cidade só pra ver até onde ia aquele vulto compenetrado de mulher pequena com rabo de cavalo como penteado para aquelas tardes de calor. E distraída, ao atravessar uma ruela, dei de cara com um ônibus fazendo a curva apertada. Quase virei patê de poeta. Quase não estava mais aqui pra contar a história do dia em que segui uma pequena pelas ruas do centro sujo da cidade barroca. Ela e seu vulto pressentiram a quase tragédia. Seu olhar cabisbaixo se voltou e sorriu - um riso de mulher pequena. Um riso zombeteiro. Assim assim. Riso de quem já viu e verá muitas tragédias cotidianas. A multidão de crentes nem acreditou no milagre da salvação. Até o motorista sonolento pediu perdão! Não fiz caso e continuei a perseguir aquele vulto de camiseta azul e calça jeans e rabo de cavalo pelas ruas do centro cheio de histórias da cidade. A mulherzinha foi entrar num prédio antigo. A mulher pequena que eu segui pelas ruas fétidas do centro tinha hora marcada, como eu, com os guias do plano espiritual. Para reza, passe, desobsessão. Para começar a semana seguinte sem encostos do além.

Te amo, meu sonho

Hoje acordei sacana,
querendo só sua nudez


Hoje acordei romantiquinha,
querendo beijo seu


Hoje acordei
e me dei conta:
você é uma das melhores coisas
que minha imaginação já criou.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Lingerie

Seja minha putinha
só esta noite
e nada mais, meu bem

me espere deitadinha
vestindo sutiã e cinta-liga
e calcinha diminuta
vermelhinha
me espere deitadinha

seja minha putinha
só esta noite
e nada mais, meu bem

abra um sorrisinho safado
quando eu chegar
com tesão e uma certa timidez
com uma fome tão antiga
com uma vontade tão antiga
de te comer, meu bem

seja minha putinha
só esta noite
e nada mais

me cante ao pé do ouvido
as ladainhas do amor, meu bem

e nada mais.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Barbies

uma e outra boneca loura despida
pia vedada repleta de água e sabão
fazia verão na minha fantasia infantil
fazia verão e por quê não fazer nadarem as bonecas?
olhando suas silhuetas de mamilos duros feito pedras e seu sexo sem lábios
as bonecas louras despidas
fiz mergulharem os corpos secos
dentro da banheira improvisada
fiz com que se refrescassem de um calor imaginário
- uma por vez
enquanto enrugava meus dedinhos
sedentos das artes e engenhos de delirar
sim, eu passava as tardes de infância
inventando artes e engenhos de delirar.

sábado, 21 de novembro de 2009

Promesse de bonheur

a puta na orla da estiva
peitos de olhar o horizonte
decote vermelho
microsaia brilhante, tapando somente o inominável
entredentes um chicle cor de rosa - tutti-frutti forever
na mente um sonho opaco (sonhava posar de manequim nas passarelas da Europa)
mas descobriu os prazeres da carne
e fez deles o seu dever cotidiano
quem condenará a rapariga sonhadora?
quem atirará a vigésima terceira pedra?
cabelos negros como a asa da graúna
(são de aplique, esses cabelos
são cabelos de boneca)
olhos de um brilho esquecido
já opaco no sonhar distante
boca desenhada para só beijar.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

À espera (embarque)

formigas em torno do chicle mascado
dispensada borracha doce
mandíbulas de nunca mais
abrir
fechar
abrir
fechar
o tédio - um tédio feliz
se encostou em mim
nesta tarde
e não tenho em mim
queixume de natureza alguma
no dia de hoje
desde que acordei
com a leveza das nuvens
no pensamento.

sábado, 7 de novembro de 2009

Noite e dia

Eu dormia lenta e pesadamente enquanto a luz do luar clareava as desertas ruas e todos os atos secretos esperavam que o sol se deitasse para desembestar intenções de sexo e violência nos lares alheios. A flor que ao meio-dia tão lânguida e tímida, se abria sem pudores e em selvagem transe sensual ao som de remota serenata...Ali, onde acabava a noite e começava a madrugada, gotas de sereno iam molhar a pétala-face das flores e as pontas dos pés descobertos de algum mendigo errante jaziam gélidas e petrificadas de abandono...Eu dormia lenta e pesadamente. Pálpebras amortecendo o fim do sono iam se abrindo aos poucos. E o despertar ia se fazendo urgente. E a constatação de um novo dia era a minha única certeza nesta vida.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Voando para a imensidão do mundo

Acompanho com o olhar o voo daquele passarinho azul. Tudo naquele voar é promessa de libertação, babe. Tudo naquele voar me leva pra mais perto do cosmo e sua perfeita imensidão. Agora sei que posso ser mais, muito mais. Agora trago no peito um coração onde cabe o amor pela humanidade. Um amor resignado e paciente. Um amor persistente por tudo que se move no espaço. Todas as estrelas brilham no meu peito agora, babe. Compreenda: não estou me despedindo. Apenas estou com minha bagagem quase pronta pro momento da partida. Em mim arde uma chama de conversão. O meu peito traz a chama de conversão. Me converti ao Amor eterno e universal. Não me importo se isso me doer. E dói mesmo estar assim. Dói um tantinho. Mas agora sei que sou gigante e também atômica. Caibo em qualquer cantinho onde você me queira guardar. Mas me deixe partir quando chegar a hora do meu voo. Não me prenda na gaiola do apego, babe. Não me chore nem lamente o dia da minha partida. Porque na verdade eu não vou sair de você, se você não quiser. Meu voo vai se juntar ao voo de outros pássaros migratórios. Vou voar para a infinita morada. Todos vamos. Lá não cabe o desespero, nem o choro. E a vela é obsoleta lembrança dos tempos de escuridão para quem habita na Luz.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Auréola baby

olhinhos de mar
meu bem derrotou assim
minhas defesas todas

do cantinho dos olhos
lá do cantinho dos olhos
onde uma pálpebra encontra a outra
onde acaba o caminho do olhar
baby me fuzilou
e desse olhar de amor
padeci
e com a fisgada na porta do coração
me gemi.

Blue rota

um caminho todo azul naqueles olhos
muita promessa
muito paralelepípedo nas estradas
que atire a primeira pedra
quem nunca amou.

Banana triste

A tristeza da banana madura
pintas negras sobre a casca amarela
esquecida
abandonada
a banana única
repousa triste
na fruteira
sobre a mesa de madeira
da casa antiga...

estes versos pobres
sem rima
sem ritmo
são agora tudo o que extraio de mim
estes versos sem sal e sem açúcar
da banana madura
esquecida na fruteira da casa antiga
e trelele e tralala
são a batida
lenta e triste
de um coração maltratado
cansado de doer.

Te quiero

subitamente te amei
súbita e urgentemente
me entreguei
agora,
de calcinha na mão
e sem vergonha na cara
te dou meu corpo
para desfrutar
mas deixe o caroço,
mas deixe o bagaço
me deixe fruta comida
muito bem comida
e feliz.

Tristeza

o silêncio nos uniu
a mal dada palavra nos separou
e o tempo trará primaveras
céu de anil cheio de nuvens-carneiros
vaquinhas malhadas, brancas e marrons
atravessam a pista correndo
o vaqueiro e seu gibão balançam
sobre o lombo de um cavalo velho.

sábado, 24 de outubro de 2009

Poeira das estrelas

sou a pequenina poeira estelar
a gotinha de lágrima de amor
que cai dos olhos teus
a semente de mostarda do tamanho da fé dos fracos...
o dente de leão ao sabor da brisa
o cheiro do éter dos hospitais...

tenho a grandeza que você quiser, meu bem

posso ser também
as colinas cobertas de neblina
a muralha da China
o precipício do Grand Canyon
incrível Hulk
paquidérmica
tiranossáurica

sou o beijo roubado na sessão matinê

e muito mais...
e muito menos do que eu queria ser.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A culpa é sempre do amor

Olho as vacas nuvenzinhas brancas
pastando em meio a tanta neblina
da manhãzinha serena
desse lugar tão distante, babe, tão distante...
Vaquinhas de olhar triste e meigo pastam todo aquele verde da montanha
e um sol tímido porém indócil faz o broto de flor se abrir para o verão
isso vai me aquietando...por fora fico de bico calado e olhar perdido...
mas por dentro essa revolução de sonhos
e tantos amores guardados
faz meu pobre coração (clichê dos sentimentais)
ficar apertadinho
e bater quase parando
de saudade acumulada.

Canto de amor sazonal

Teu rosto guardei, na memória fotográfica do coração
teu rostinho de neném, que tanto me agrada, guardei...
e fica assim: toda vez que quero me sentir leve e feliz, lembro de você
babe, tanta coisa eu tinha pra dizer
mas não dá pra não ser sentimental
quando meus olhos te alcançam
e muito menos quando me sorri o teu rostinho
fico então condenada a amores platônicos sazonais...
sou assim: tarada na beleza das coisas mais simples
se não fosse, não seria poetinha
e não cantaria o amor
dessa forma doce e atrapalhada
que canto agora.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Peixe

a história antiga
o primeiro voo
alucinação e fantasia
corpo do peixe pescado
se debatendo na rede
esturricando na fogueira
banquete de pescadores
espinha maldita
entalada na garganta
rasgando a garganta
lembrando que peixe
depois de morto
se vinga.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Cafeína

o mais das palavras
você e eu no café de tardinha...tudo tão leve e tão bom de viver
nossos olhares voltados - ora pras nossas retinas, ora para o mar sereno de Ondina
a vida é generosa
de vez em quando, babe...
não me canso de lembrar, de trazer à mente
teus olhos verdinhos e o mar azulzinho
tudo tão clean, babe
tudo tão graciosamente clean e sweet...
e daqui a uma estação estarei de volta
e terei todo prazer do mundo
em te acompanhar novamente
ao café mimoso
pela tarde e por dentro da noitinha mansa
da Baía de Todos os Santos.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Mais arrebatamento

me explica
me ensina:
como não me apaixonar por você
como não te deixar entrar no coração
suas cores - as do seu pincel
já moram no meu peito
gotinhas coloridas pingam alegria nos meus olhos
é lembrar de você
e quase chorar
e rir de repente
de tudo e nada
cãozinho revirando o lixo
olhinhos de dizer: "me dá carinho"
nossos corpos estão separados
por lugar e tempo indefinidos, extensos demais...
a luz do seu sorriso nas fotografias
me alimenta de sonhos
me flutua
e volto a ter sete anos
e fazer bolinhas de sabão
gotinhas de detergente pelo carpete
do apartamento...eu crescia um pouquinho todo dia
mas o sonhar calmo e colorido ainda mora em mim
ainda sou a mesma menininha de sete anos
debruçada na cama de minha mãe
lendo gibi.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Arrebatamento

Acho que já sei amar
pois quando te vi
pela segunda vez
te notei a beleza quase infantil
e canonizei você
no templo do meu coração
que é tão vagabundo.

Azul calcinha

O céu azulzinho
esta manhã fiquei contemplando
e pensando
no quanto eu queria
que nossos olhares novamente se encontrassem
no quanto eu queria
te ver sorrindo outra vez
só pra mim
daquele seu jeitinho de sorrir
que me encantou
de uma vez pra sempre.
A janela foi fechada tardiamente, por isso os mosquitos em bando,noite adentro, vão me massacrar ouvidos e corpo. Já posso ouvir seus zunidos penetrando meus tímpanos sensíveis de insônia involuntária. Vou dormir pensando em você. Nos nossos olhos se encontrando e no seu riso que é o mais puro mel.
Nossos caminhos: será que estão predestinados ao desencontro?

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Cacos d’ águas

A Verônica Moraes



Corpo, de Barros, quebrado.
Manoel de. A lagartixa bebe água
na sombra da galinha.
Patinha de meias rosinhas.

Corpo sem cabeça.
Braço em cima da mesa.
Pontos, vírgulas e apostos.
Tontura de pescoço que dançam
nos andaimes da construção
de Cabral , o João.

Fragmentos de comunicação.

Quebranto e Quebradas .
Cacos d’ águas .
Desperta o moderno despertador,
De noite, do galo e das fadas.

Na sombra, um dos touros de Picasso
Enfrenta, enfurecido, um tecido vermelho
Que se vê ao longe, voando, ao acaso.




Inaê Sodré 22.05.08

Helenística

A minha amada, Anjo maduro, Hélène Lamesch.



Eu quero tudo
E ainda quero mais
Tenho Sede de mundo.
Fome de infinito.

Se me deres, aceito.
Se me tomas,
Eu grito.




Inaê Sodré, 15-03-09

A terça parte do corpo

A Fabio Vidal



O filho pequeno atento
Andou pelo fio do tempo
Passou pela curva do vento
Estando no mesmo lugar

O ciclo do tempo girando
Rodando em volta do mundo
Vivendo num sono profundo
Sem ver o tempo passar

A terça parte do corpo
Plantada no meio do rio
O menino pequeno, o menor, o caçula,
O único que o viu, Rio.



Inaê Sodré, maio de 2009

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Declaração virtual de sentimentos

Veja, meu bem, estou tentando não ser cruel...tentando não impor minha presença. Eu nem sei quanto tempo faz que não procuro você na "net" ou ao vivo. Sei onde te encontrar, mas não procuro. Então vamos ficar assim, como já foi combinado: perfis "ausente" e "ocupado", no mais perfeito alheamento. Que bênção essa tal de internet na vida da gente, meu bem! Ela foi feita para aqueles desconcertantes momentos em que não se tem nada a dizer ou quando a maldita timidez sabota nosso inventário lexical. Com isso não quero dizer que estou melhor assim, sem notícias suas. Apenas quero que essa lacuna espacial nos aproxime de uma vez para sempre. O que quero é que você diga que estou sendo totalmente tola e num abraço demorado mate minhas dúvidas e minha saudade.

Seção de meras observações

As anti-macabéas estão por toda parte. Promovem desfiles de moda que só elas podem acompanhar. A moda é feita por elas e para elas. Para “causar” nas passarelas e também no passeio público. Por isso hoje você vê tanta propaganda de creme e batom, bolsa e sapato e lingerie sensualzinha. Eu quase esqueci do rímel e da milagrosa tintura. E não pode faltar o esmalte de unha de cor fatal. Os filmes publicitários mostram marmanjos sendo arrastados, atraídos por estranho ímã invisível que emana do requebro dos quadris e das caras e bocas das anti-macabéas. E seguem fazendo sucesso. Uma autêntica anti-macabéa nunca está satisfeita com seu visual. E o visual é, de fato, a sua única grande preocupação.

sábado, 15 de agosto de 2009

quem sou eu:

deixo isso para mais tarde.
por enquanto fica assim: deixo os óculos de pernas abertas sobre a mesa, fecho a janela do quarto e deito pra esquecer o quanto a vida é bela.

você, meu bem, me traz notícias de um lugar distante. e eu só queria notícias suas. mas como nada é perfeito quando feito por gente, escuto suas palavras. palavras refrigeradas, sem calor de emoção. e novamente as notícias não me interessam. o Brasil não tem remédio, baby. o Brasil é beleza e caos.

quantos dias faz que não sonho? anteontem sonhei. não lembro com o quê. não sei se era bom, mas eu sempre quero voltar para os sonhos - mesmo para os sonhos ruins - que é pra entender um pouco sobre quem sou e coisa e tal. você entende?

não sei. hoje me sinto um último gole desprezado de vodka.

eu absinto.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Coração em chamas

Um coração trespassado
ao clarão das chamas
da churrasqueira
chia e lacrimeja
O coração
trespassado e temperado
chiando ao sabor das labaredas
devia bater descompassado
num peito galináceo
devia quase pular pela boca
ao menor susto
Este coração posto na travessa
ao lado da porção de farofa
agora desmancha suas fibras
entre meus dentes e língua
Coração que nunca bateu de amor
Agora me bota água na boca.

Alucinação

Nunca vi paredes derretendo
mas ouvi tua voz macia
dentro da noite me dizendo
eu te amo
como quem diz boa noite.

Louvor

Deus está nas prateleiras
nas gôndolas de doces dos supermercados
Deus é um quindim
um bombom
um papo-de-anjo
O que você quiser
Deus é
Deus é a balconista
da loja de sapatos
que recebe sorrindo
nosso cheque sem fundos
Deus é um pelo encravado
na virilha de uma puta velha
Deus é minha avó
que já não enxerga nem ouve tão bem
mas ainda está tão lúcida
Deus é meu cágado
e passeia pela área de serviço
sem pressa nenhuma de chegar debaixo do tanque
Deus é um perfume barato
impregnado na pele
das empregadas domésticas
que pegam condução lotada às seis da manhã
rumo à casa das patroas sempre estressadas
Deus é o suor
que faz uma rodela
embaixo da manga da camisa
do operário de construção civil
Deus não é filme porque não começa nem acaba.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Poema-obsessão

Pousei os olhos em tudo de você
e admito, vencida, que não reconheci
em lugar nenhum
algo parecido com a cor dos seus olhos
ou com o brilho do seu riso - quando vem espontâneo
Como poeta, procurei metáforas que te traduzissem
e frustrada, volto ao marco zero: contemplar você
Esse devia ser um poema de amor, romântico
Mas parece mais um poema-obsessão
fruto maduro
da minha doce fixação
pelo olhar que me penetra e derrete
E a culpa disso tudo, baby, é só sua.

domingo, 26 de abril de 2009

Saudade, esse sentimento condenável...

As palavras dela e de outros poetas entraram pelos meus olhos
falavam de amor e saudade
de cheiros de flores ao longo da tarde
de presenças de risos e abraços
do sabor de agradáveis guloseimas e quitutes
enfim, coisas que ficaram lá pra trás...
Hoje minha vida está fadada a ser essa lacuna
essa falta das coisas que foram embora
não voltam mais, senão nos flashbacks de algum sonho.

Então a saudade ficam sendo aquelas flores que plantamos um dia
no jardim do sentimento
e o passar do tempo nos faz colher uma a uma
todas as lembranças
que se tornam então o antídoto
para essa profunda tristeza
sem nome.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Mais uma vez saudade

Saudade enlouquece a gente, baby
já posso ver ao longe a ambulância
os homens cruéis e insensíveis
de jalecos superbrancos
vindo nessa direção
já posso ouvir a sirene...
a ambulância se aproxima
e o pesadelo só está começando.

Natureza morta

Cachorro
focinho
derretido
na tela da mente
foi a tinta fresca
escorrendo da tela
foi uma invenção
que não terminou de ser inventada
foi abortada
nunca nasceu
o cachorro e seu focinho
não vão correr pelo campo verde
porque nem foram pintados:
a vontade do artista era só dormir.
Quisera levantar um dia
e descobrir que meu tédio
está condenado à execução
condenado a um terrível esquecimento
condenado a ficar cego e a mendigar sob os viadutos
enquanto eu posso abraçar
os amigos e os amores dessa minha vida
e brincar nas marolas que vem e vão
morninhas no fim da tarde
no mar daquela cidade.

Atalho para o pomar

Toda boa goiaba está bichada
vejo isto com meus olhos ardendo
secos de nunca mais terem visto o mar
Toda boa goiaba está bichada
a realidade nua e crua está podre
e não digeri muito bem
o sumo amargo que a vida-lima me trouxe
são dias difíceis, baby
as boas e as más goiabas
no cesto descansam
misturadas como se fossem
amigas de infância
eu, você, nós todos
somos as goiabas brancas
deitadas umas sobre as outras
e quem come nunca poderá
só com o olhar
distinguir as boas das más goiabas.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Destino de galinha

Fico pensando na vida triste das galinhas. Elas nascem para botar ovos e virar comida nos pratos dos homens ao meio-dia. Ou então, gloriosas, compõem a ceia natalina. Galinha nasce pinto e não tem muito futuro pela frente: cisca o chão debilmente, para catar milho, minhocas e pedras. Seu olhar é sempre ansioso, tudo é surpresa e susto no olhar da galinha. Ela não sabe o que é tédio, porque nunca ninguém ensinou. Galinha, como todos nós, morre qualquer dia desses. Nunca vi galinha velha, todas as que conheci deixaram este mundo cedo demais. Todas morreram jovens e nenhuma teve consciência do próprio destino. Na infância, os homens criam cães e gatos e até periquitos a quem chamam de amigos. Mas galinha está relegada ao terreiro: se põe bons ovos, é preservada da morte prematura. Galinha quase sempre morre assassinada. "É por uma causa maior", dizem as visionárias. No céu das galinhas ninguém vira almoço e só botam ovos quando querem. Mas até lá elas estão condenadas a desconhecer o porvir.

Poema sem propósito

Noite negra no teto do horizonte
a pequena vila dorme
e eu também caio na cama
pra dormir meu sono
que é mistura de cansaço e tédio


minúsculas estrelas cintilam neste céu
como romeiros em vigília
de tempo pascal


a manhã vai despertar os frangos no terreiro
e os frangos por sua vez
vão acordar a vila inteira



mais uma vez o sol desponta
e clareia o dia
e encerra o sossego
e tudo recomeça.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Temporada em Piritiba

Uma vida besta. O canto galináceo rompe as manhãs e de dentro das cloacas brota o milagre de mais uma refeição matutina, quando não gora. Você há de ver o poeirão levantado pelo correr das locomotivas do sertão - são carros, ônibus e caminhões que vão e vem e nunca sossegam. Você há de ouvir o murmúrio das primeiras notícias da manhã na boca das donas de casa que varrem as calçadas e há de me dar razão: elas sempre sabem do nosso destino cotidiano antes de nós. Tampas de panelas abafam o aroma dos quitutes de daqui a pouco. Daqui pras nove horas vai esquentar como já fosse meio-dia. Fast-food não há. Delivery não há. Todos os comércios fecham para o almoço. Há saudade do mar constante no meu coração como teias de aranha nas lombadas de livros esquecidos nas estantes.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Considerações sobre a madrugada

Meu estômago está roncando. Esta noite me vejo inspirada pela lembrança dos olhos teus na contramão dos meus. Olhávamos para a mesma coisa: nós, que não sabemos fingir nada. Ou quase nada. Meu estômago volta a roncar. Porque é tarde da noite e todos dormem. É hora de assaltar a geladeira e encontrar dentro uma fruta velha e esquecida, mas ainda digna de ser comida. Lembro que não há carambolas. Há apenas mamão e bananas. E nem um nem outras me apetecem. Queria morder uma fruta com sumo, frutessência.
Baby, nunca adivinhei que quando meus olhos encontrassem tua cara isso me faria mais inteira e mais feliz. Nem atinei de alertar ao meu coração do perigo que sempre se corre quando se encontra a Beleza. É que eu sou, Baby, tão distraída! A timidez me faz parecer uma grande palhaça. A minha timidez fode, desastra com tudo que eu planejava te dizer, te tocar. Ou simplesmente apenas te olhar. Olhar de frente, como o pescador que já não se embriaga do azul do mar porque o vê todas as manhãs. Mas não...tua presença não é nem nunca será uma rotina pros meus olhos míopes de banalidades. Teus olhos são cheios de novidades.
O teu sorriso coloca um sol na sombra da meia-noite
e eu queria esse sorriso pra mim
uma vez que fosse
como coisa dada
de uma para outra pessoa querida
um presente teu pra mim
se eu merecesse
O teu sorriso é flor e é estrela
flor que não se colhe
estrela que com as mãos não alcanço
mas está sempre perto
está mesmo dentro dos meus olhos
e volto este olhar pra você
pedindo um sorriso seu
pra afagar minha vida
pra fazer meu dia nascer feliz.

(inspirada por Cazuza na noite de 02/04/2009.)
O mar é tão verde e azul
e essa saudade dele me põe tão comovida, meu bem, tão comovida...
e lágrimas recatadas de um pranto recolhido escorrem desajeitadas pelo meu rosto
porque hoje minha paisagem são cavalos e jumentos a cagar pelo passeio e pelo asfalto
sem a menor cerimônia
sem a menor elegância.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Ao pé do fogão

Da cozinha escapam odores de temperos
sem pudor e roncando de fome
abro as tampas das panelas fumegantes
de onde à hora do almoço
brotarão as delícias magicamente preparadas
e penso com meus botões
que a hora do almoço
é a melhor hora do dia.

sábado, 14 de março de 2009

Balada Casamenteira

Bate cansado esse meu coração,
segue batendo assim devagarinho...
Tão longe você está, benzinho
já cansei de esperar.
Um punhado de margaridas branquinhas
apertadas nas tuas mãos
vem parar dentro de um vaso meu
E daqui da janela do meu quarto
sonho com o dia em que você chegará
sem aviso, de surpresa
pedindo pra eu juntar minha vida com a sua
para gente junto ensaiar: felicidade e união
até que o inverno nos separe.

segunda-feira, 2 de março de 2009

quem canta seus males espanta

Xote Das Meninas
(Zé Dantas / Luis Gonzaga)


Mandacaru quando fulorá na seca
É um sinal que a chuva chega no sertão
Toda menina que enjôa da boneca
É sinal de que o amor já chegou no coração
Meia comprida
Não quer mais sapato baixo
Vestido bem cintado
Não quer mais vestir gibão

Ela só quer
Só pensa em namorar
Ela só quer
Só pensa em namorar

De manhã cedo
Já está pintada
Só vive suspirando
Sonhando acordada
O pai leva ao doutor
A filha adoentada
Não come nem estuda
Não dorme nem quer nada

Ela só quer (4x)
Só pensa em namorar

Mas o doutor nem examina
Chamando o pai de lado
Lhe diz logo em surdina
Que o mal é da idade
E que pra tal menina
Não há um só remédio em toda medicina

Ela só quer (4x)
Só pensa em namorar

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Prosa ruim II

- Por quê não larga esse controle remoto?
- O doutor recomendou exercícios regulares...

Prosa ruim

- Gosto de fumar e ouvir bossa nova.
- Que mau gosto você tem...
- Não ouse falar mal da bossa, não admito!

Piano bar

- Senhorita, por favor, o bar está fechando...
- Mas ele nem tocou aquela, como era mesmo? Por favor, só mais uma...
- Me acompanhe.
- Claro, adoro tango!
- A saída é à direita. Boa noite, senhorita.

Para Jóia lá debaixo do tanque

O cágado num canto da área de serviço come inconsciente um pedaço de pão molhado
inconsciente até da própria fome...
cágado é pedra que anda e põe para fora da casca cabeça e patas
a pele áspera dispensa o toque, a carícia
cágado que não sabe o que é afeto, nem que gosto tem
e confunde perigosamente a ponta vermelha do meu dedo com um saboroso e cru aperitivo
eu, que em desvelo deito-lhe sobre o corpo água corrente para hidratar o perene ressecado de sua existência...
bicho que se arrasta i n f i n i t a m e n t e
não tem nem nudez
não tem atração
não cria jogo de interesses nem exige nada para si
poderia muito bem servir de peso-de-papel no escritório
um cágado é profundamente material
eu que peguei para criar um bicho que foi criado para se criar sozinho.